Cartórios de municípios como Itanhém, Caravelas e Ibirapuã podem fechar as portas caso o Projeto de Lei nº 25.851, de autoria do Governo da Bahia, seja sancionado. A proposta, já aprovada pela Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), reduz de 12,2% para 9% o percentual da receita dos cartórios destinado ao Fundo Especial de Compensação da Bahia (Fecom), responsável por sustentar financeiramente as unidades deficitárias.
Essenciais para o registro de nascimentos, casamentos, óbitos e diversos atos da vida civil, mais de 60% dos cartórios baianos operam com receitas insuficientes para cobrir seus próprios custos. Nesses casos, o Fecom repassa uma espécie de "renda mínima", que pode chegar a R$ 31,8 mil mensais, para garantir a continuidade dos serviços, especialmente nas cidades menores ou mais afastadas.
Com o corte proposto, os recursos do fundo sofreriam uma redução de 25%, o que comprometeria sua sustentabilidade. Segundo o próprio Fecom, o déficit atual do fundo é de R$ 40,4 milhões por ano e, caso o projeto seja sancionado, ele pode se tornar inviável em apenas seis anos e sete meses. O impacto direto seria o fechamento de 461 cartórios em todo o estado — o equivalente a 61,3% das unidades em operação na Bahia.
Municípios do Extremo Sul em risco
Entre os municípios com unidades em risco de fechamento estão Itanhém, Caravelas e Ibirapuã, e outros 224 cartórios em toda Bahia. Nessas cidades, os cartórios são essenciais para garantir à população o acesso a direitos básicos. Com a gratuidade legal de registros de nascimento, óbito e da primeira via de certidões, a arrecadação das unidades não cobre os custos operacionais, o que as torna dependentes dos repasses do fundo estadual.
"Este projeto compromete a sustentabilidade de um sistema que permite levar cidadania e dignidade às áreas mais pobres da Bahia. Suprimir um quarto das receitas do fundo vai criar a necessidade de reestruturar novamente o cenário extrajudicial, com a possível extinção de cartórios", afirma Daniel Sampaio, presidente da Associação dos Notários e Registradores da Bahia (Anoreg/BA).
A aprovação do projeto pela Alba aconteceu em tempo recorde, no dia 17 de junho, apenas um dia após a proposta ter sido enviada pelo governo estadual. Nem a Anoreg nem a direção do Fecom foram consultadas antes da votação. Agora, o texto aguarda a sanção do governador Jerônimo Rodrigues (PT).
Impacto social
Além do impacto no interior, a medida também afeta cidades maiores. Salvador, por exemplo, possui seis cartórios que recebem auxílio do Fecom. Segundo Igor Pinheiro, presidente do fundo, a continuidade dos serviços está em xeque. “Em seis anos, deixaremos de conseguir pagar a renda mínima para o funcionamento dos cartórios, o que vai impactar diretamente nos serviços prestados. Os cartórios oferecem, de forma gratuita, primeira via de certidões de nascimento, casamento e óbito, que são essenciais para a sociedade”, alertou.
Em 2023, uma outra medida já havia provocado o fechamento de cerca de 500 cartórios na Bahia. A nova legislação organizou as unidades conforme o número de habitantes de cada cidade, limitando, por exemplo, a existência de apenas um cartório por município com até 40 mil moradores.
Repasses ao Ministério Público também preocupam
Outro ponto controverso do projeto é o aumento no valor destinado ao Fundo de Modernização do Ministério Público do Estado da Bahia. A nova lei determina que 4% de toda a arrecadação dos cartórios seja direcionada ao fundo do MP, o que foi duramente criticado por entidades do setor.
"Existem ações em âmbito nacional que discutem a legitimidade de órgãos que não têm relação com os serviços extrajudiciais no recebimento dos recursos, mas ainda não há uma decisão que reconheça a falta de pertinência desses repasses", pontua Daniel Sampaio.
A reportagem do portal entrou em contato com o governo estadual para questionar os impactos da proposta, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria. Enquanto isso, cidades como Itanhém, Caravelas e Ibirapuã aguardam com apreensão a decisão final sobre o futuro dos seus cartórios.